OITOFELIX

Translation: Stallman’s speech on free software

This is a translation to Portuguese I made of an English talk given by Richard M. Stallman in 2010 about free software and the free software movement. I’ve added the multilevel headings to indicate the progress of the discourse and group similar topics in its course.

A definição de software livre

O que é software livre?

Software livre é o software que respeita sua liberdade e sua comunidade. Portanto, é livre como no significado da palavra “liberdade”. Software livre não quer dizer nada quanto ao preço — software livre trata-se de algo muito mais importante que preço. Portanto, para entender o termo “software livre”, pense na frase “liberdade de expressão”, e não na frase “hoje a cerveja é livre pra todo mundo!”.

Quando um programa não é livre, nós o chamamos de “software privativo”, ou “software subjugador de usuários”, porque um programa não-livre cria um sistema de poder injusto — um sistema de colonização digital — que mantém os usuários divididos e impotentes. O colonialismo pratica a divisão e o domínio — e isso é o que vemos aqui.

Os usuários são divididos porque são proibidos de distribuir cópias do programa; e eles são impotentes porque não tem o código fonte e, portanto, não podem mudar o programa; nem mesmo estudar independentemente o que ele realmente faz; e tais programas frequentemente escondem características maliciosas.

Mas o que eu disse é demasiado geral: o software livre respeita sua liberdade e sua comunidade. Mas o que isso significa?

Existem quatro liberdades essenciais que definem o software livre — um programa é software livre, se e somente se, você usuário tem essas quatro liberdades:

  • A liberdade zero é a liberdade de executar o programa como você bem entender.

  • A liberdade um é a liberdade de estudar o código fonte do programa e mudá-lo para que ele desempenhe a sua informática como você deseja.

  • A liberdade dois é a liberdade de ajudar o seu próximo; esta é a liberdade de fazer e distribuir cópias exatas do programa quando você bem entender.

  • A liberdade três é a liberdade de contribuir para sua comunidade; esta é a liberdade de fazer e distribuir cópias de sua versão modificada do programa quando você desejar.

Cada uma dessas liberdades se aplicam em qualquer área de sua vida, tanto comercial quanto não-comercial e nenhuma delas é obrigatória. Você não é obrigado a fazer nenhuma dessas quatro coisas; a questão é que você deve ser livre para fazê-las quando assim o escolher.

Se um programa vem com essas quatro liberdades então ele é software livre porque o seu sistema social de distribuição e uso é um sistema ético; um sistema que respeita o usuário e a comunidade. Mas se uma dessas liberdades está faltando ou é insuficiente, então o programa é software privativo porque ele impõe um sistema social antiético sobre seus usuários. Portanto a distinção entre software livre e software privativo não é uma distinção técnica. Não é uma distinção sobre quais recursos eles têm; não é sobre como ele realiza determinado trabalho; não é sobre como o código foi escrito; estas são, pois, outras questões possivelmente correlatas, mas elas não são o ponto principal. Portanto essa distinção não é técnica, ela é uma distinção ética, social e política que surge da tecnologia, e logo, é mais importante do que qualquer questão meramente técnica seria.

Desenvolvimento vs dependência

O uso na sociedade de um programa livre é desenvolvimento, porque esse programa é conhecimento disponível para os usuários para que eles possam mantê-lo, adaptá-lo, estendê-lo e aplicá-lo onde for. Em contrapartida o uso de um programa privativo na sociedade não é desenvolvimento é dependência; é um problema social, que nós precisamos tentar resolver.

Escrever um programa livre é uma contribuição para a sociedade. Quanto? Isso depende dos detalhes, é claro. Mas escrever um programa privativo não é uma contribuição, é um golpe, porque em termos sociais, este programa não-livre é uma armadilha. Se ele tem recursos atrativos, estes são a isca para a armadilha. Eles são projetados para atrair os usuários e fazê-los renunciar à sua liberdade se tornando usuários de tal programa. Então, esses recursos não fazem o programa melhor, só o fazem mais perigoso. Então se você tem a opção de escrever um programa privativo ou não o escrever de forma alguma é melhor não escrevê-lo, pois assim você não prejudica a sociedade.

Portanto, o objetivo do movimento de software livre é fazer com que todos os programas sejam livres para que todos os seus usuários também o sejam.

As razões por trás de cada liberdade

Mas o que faz essas quatro liberdades essenciais? Por que definir software livre dessa maneira? Cada liberdade tem a sua razão.

A liberdade dois e o dilema moral

A liberdade dois — a liberdade de ajudar ao seu próximo; a liberdade de fazer e redistribuir cópias exatas do programa quando desejar é essencial nas bases morais fundamentais, para que você possa viver de maneira correta e ética como um bom membro de sua comunidade. Se você usa um programa sem a liberdade dois, você está em perigo de cair num dilema moral que pode acontecer a qualquer momento. Sempre que um de seus bons amigos disser:

— Esse programa é bom, pode me dar uma cópia?

Nesse momento você encarará a escolha entre dois maus. Um mal é dar uma cópia ao seu bom amigo e violar a licença do programa. O outro mal é negar uma cópia ao seu amigo e respeitar a licença do programa. Se você estiver nesse dilema, você precisa escolher o menor dos males que é violar a licença e dar uma cópia do programa ao seu amigo.

O que faz desse o menor mal? Bem, se você não pode evitar agir incorretamente contra um ou o outro, é menos errado prejudicar aquele que merece, pois este já causou um mal. Nós podemos pressupor que seu bom amigo é um bom membro de sua comunidade e normalmente merece sua cooperação — podem existir exceções, mas não são o caso comum. Já o desenvolvedor desse programa privativo, por contraste, deliberadamente atacou a solidariedade de sua comunidade; deliberadamente tentou isolar-lhe do resto de sua comunidade. E isso é muito ruim! Então, se você acredita que é impossível evitar agir incorretamente contra um ou o outro, aja contra o desenvolvedor!

Mas, ser o menor dos males não significa que é bom. Nunca é bom fazer um acordo e quebrá-lo; nem mesmo quando o acordo, assim como esse, é inerentemente maldoso e mantê-lo é pior que quebrá-lo. No entanto — ainda assim — quebrá-lo não é exatamente bom.

E, se você der uma cópia ao seu amigo, o que ele terá? Ele terá uma cópia não autorizada dum programa privativo; e isso é uma coisa detestável — quase tão detestável quanto ter uma cópia autorizada do mesmo programa.

Então, quando você compreender completamente essa situação, o que você realmente deve fazer? Você precisa se certificar de que nunca entrará em tal dilema! Eu conheço duas maneiras:

A primeira é: não tenha amigos. Isso é o que os desenvolvedores do programa privativo querem pra você — eles querem dividir e dominar.

Mas o outro jeito, o meu jeito, é rejeitar o programa privativo. Quando alguém me oferece um programa sob a condição de que eu não o compartilhe com você, não importa o quão atrativo ele possa parecer, eu digo:

– Minha consciência não me permite aceitar tais condições, portanto leve embora com você esse detestável programa.

E isso é o que você deve dizer também; não aceite software que é distribuído para dividir-lhe de sua comunidade.

Termo de propaganda: “pirataria”

Você também deve rejeitar os termos de propaganda que os desenvolvedores de software privativo empregam para demonizar a prática de cooperação e compartilhamento; termos como: “pirata”.

Quando eles chamam pessoas que compartilham de “piratas” o que eles realmente estão dizendo? Eles querem que tomemos como verdade que ajudar outras pessoas é o equivalente moral de atacar navios. Mas, moralmente falando, nada pode ser mais falso que isso, porque atacar navios é muito ruim, mas ajudar outras pessoas e compartilhar é bom. Portanto, não devemos chamar essas duas práticas pelo mesmo nome.

Estas são as artimanhas de propaganda: usar o mesmo nome que usamos para algo ruim, como um apelido para algo bom — que se quer atacar. Eu acho que não tem havido piratas por aqui em centenas de anos!

Então, quando as pessoas me perguntam o que eu penso sobre “pirataria”, eu digo:

– Atacar navios é muito ruim!

E quando me perguntam o que eu penso de “pirataria musical”, eu digo:

– Pelo o que eu li, quando piratas os atacam não o fazem tocando instrumentos de maneira inabilidosa e alta; depois de muito tempo isso pode até funcionar — mas em vez disso eles são mais práticos e usam armas! Então a pirataria deles não é exatamente musical, é apenas pirataria.

Agora você entende o sentido: eu estou procurando por maneiras engraçadas de rejeitar prontamente o significado de propaganda que eles usam.

Esta é a razão para a liberdade número dois, a liberdade de ajudar seu próximo; a liberdade de fazer e redistribuir cópias exatas do programa quando bem entender; que se sustenta em fundamentos morais.

A liberdade zero e o controle individual mínimo de sua informática

Já a liberdade zero — a liberdade de executar o programa como bem entender — é essencial por uma razão diferente: para que você possa controlar a sua informática — que é algo que todo usuário de programas de computador merece.

No entanto, existem programas privativos cujas licenças restringem mesmo o uso de cópias autorizadas. Por exemplo, existe um programa privativo, para administrar sítios web, cuja licença proíbe usá-lo para publicar qualquer documento que critique seu desenvolvedor. Nesse caso, o software privativo literalmente nega ao usuário liberdade de expressão.

A liberdade um e o controle individual estendido de sua informática

Se você nem ao menos pode usar livremente sua cópia do programa, obviamente você não controla sua informática — portanto, a liberdade número zero é essencial. Mas não é o suficiente, porque esta é a liberdade de fazer ou não o que o código do programa já está configurado para fazer; o que significa que o desenvolvedor continua impondo suas decisões sobre você, não através duma licença se você tem a liberdade zero, mas em vez disso pelo próprio código do programa. Portanto, para você controlar sua informática se faz necessária a liberdade número um.

A liberdade número um — a liberdade de estudar o código fonte do programa e mudá-lo para que o programa realize sua informática ao seu desejo — é necessária pois dessa maneira você decide, invés de deixar o desenvolvedor impor suas decisões sobre você.

Características maliciosas

Se você não tem a liberdade um você nem mesmo pode dizer o que aquele programa realmente faz; e muito dos programas privativos comumente usados têm características maliciosas; características projetadas, por exemplo, para espionar o usuário, restringir o usuário e mesmo atacá-lo pelas portas-do-fundo.

Microsoft Windows

Um programa privativo, que você pode já ter ouvido falar, que se utiliza dos três mecanismos maliciosos é chamado Microsoft Windows. Nós conhecemos características de espionagem no Windows que enviam dados sobre o uso da máquina para algum servidor. E também, os usuários podem ver, claramente, as características projetadas para restringir o que eles fazem com seus dados em seus próprios computadores; se um computador é configurado de forma a não oferecer-lhe a chance de fazer algo, ou se recusa quando você tenta, você percebe! Tais características são conhecidas como Controle Digital de Restrições, do inglês DRM, ou mesmo como algemas digitais. Já as portas-do-fundo não são tão fáceis de descobrir, mas nós conhecemos algumas, por exemplo, existe uma porta-do-fundo no Windows que permite à Microsoft instalar mudanças forçadamente, sem mesmo pedir permissão para o dono nominal do computador. Isso significa que o Windows é um Malware universal; é Malware pelo mesmo critério que podemos julgar os vírus de computador, e é universal porque qualquer característica maliciosa que o Windows não tenha hoje pode ser instalada forçosamente amanhã.

Eu descrevi o usuário como o dono nominal do computador, porque, uma vez que a Microsoft consegue fazer com que o Windows rode naquele computador, ela se apropria dele.

Os produtos da Apple

Portanto, Windows é Malware da mesma forma que o MacOS também o é. Pois o MacOS tem algemas digitais. No entanto, os novos produtos da Apple são piores: eles têm características de vigilância. Uma foi descoberta há algum tempo atrás, quando as pessoas começaram a falar sobre o “SPYphone”. Adicionalmente eles têm algemas digitais que vão a um novo nível no que tange a restrição dos usuários, porque a Apple tomou controle mesmo sobre a instalação de aplicações; os usuários não são livres para instalar qualquer aplicação que escolherem — eles podem apenas instalar aquelas aplicações aprovadas pela Apple. Não é por nada que as pessoas falam sobre “quebrar as jaulas” desses produtos, pois eles são verdadeiras jaulas. E então existe a porta-do-fundo que a Apple pode usar para deletar aplicações forçosamente. Portanto, os produtos da Apple são Malware.

Reprodutor Flash

Existe também o Reprodutor Flash, que tem características de vigilância, assim como algemas digitais. O Reprodutor Flash é gratuito, mas não é software livre. Existe alguma importância nele ser gratuito? Isso apenas significa que a Adobe não exige que o usuário pague para ser abusado! Mas, por causa daquelas características maliciosas, esse programa é um sabido Malware.

Sony Playstation 3

Também existe o software no Playstation 3 que foi projetado com algemas digitais. Mas ele também tinha um recurso que permitia que as pessoas rodassem qualquer sistema operacional de sua escolha em alto nível, acima do firmware malicioso. E então, alguém descobriu uma maneira de usar o sistema operacional superior para quebrar as algemas digitais. Nesse ponto a Sony atacou a todos os seus clientes, forçando-os a escolher entre perder uma parte da funcionalidade do produto ou perder a uma outra parte: a Sony ofereceu a eles uma atualização maliciosa; se eles instalassem perderiam a habilidade de executar outro sistema operacional como GNU+Linux na máquina; mas, se eles não instalassem perder-se-ia a habilidade de se comunicar com os serviços de rede da Sony. Isso, faria com que a Sony fosse processada em qualquer país! Mas, então, as pessoas encontraram outra forma de quebrar as algemas digitais, de tal maneira que a Sony jamais poderia restabelecê-las; a Sony enviou a polícia atrás dessas pessoas porque eles tentaram libertar o público. Por causa disso nós convidamos a todos para um boicote total da Sony: não compre nenhum produto dela e não vá aos seus teatros.

Amazon Kindle

Existe também o Amazon Swindle. Bem, o nome oficial é “Kindle” e eles o chamam de “leitor de livros eletrônicos”. Mas, na realidade, ele é um esquema para eliminar as liberdades tradicionais de leitores de livros. Por exemplo, existe a liberdade de adquirir um livro anonimamente, pagando em dinheiro — que é a única maneira em que eu compro livros; eu nunca vou me identificar para aquele que me vende o livro, porque é meu dever enfiar o dedo no olho do grande irmão; esse é o dever de todo cidadão. Mas é impossível com o Swindle, para a maioria do livros bem conhecidos, que não tenham pelo menos um século de idade, conseguir um livro da Amazon sem que seja necessário identificar-se. Portanto, ela tem uma gigantesca lista de todos os livros que cada usuário adquiriu, e a existência de tal lista não deveria ser tolerada em lugar algum, pois é uma ameaça aos direitos humanos.

Dentre os leitores de livros, existe a tradição de dar, emprestar ou vender o livro para outra pessoa. A Amazon elimina tais direitos com algemas digitais e um atentado à propriedade privada, pois a Amazon diz que o usuário não pode possuir uma cópia do livro; tudo que o usuário pode adquirir é uma licença para lê-lo sob as condições impostas pela Amazon.

Existe também a liberdade de ficar com o livro tanto tempo quanto você quiser, lê-lo quantas vezes você quiser e eventualmente deixá-lo para seus descendentes. A Amazon elimina essa liberdade com uma porta-do-fundo. Nós não podemos ver o código fonte dessa porta-do-fundo; nós não sabemos todas as coisas que ela pode fazer; nós sabemos de uma coisa por observação: ela pode deletar livros. Nós sabemos disso porque em 2009 as pessoas viram a Amazon usando isso para deletar centenas de cópias de um livro particular. Essas eram cópias que as pessoas haviam obtido direto da Amazon, pelo meio convencional e aprovado, portanto a Amazon sabia exatamente onde elas estavam, e sabia exatamente para onde mandar os comando para deletá-las. O livro para com o qual a Amazon demonstrou a natureza orwelliana de seu produto foi “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro” de George Orwell; um livro sobre um estado totalitário que fez coisas como destruir livros dos quais não gostava. Houveram muitas críticas contra a Amazon por haver deletado tais livros. Então ela prometeu que jamais fará isso de novo, a menos que ordenada pelo estado… muito confortante! “Kindle” significa iniciar um incêndio. Evidentemente o propósito desse produto é queimar nossos livros. Mas não irá queimar os meus, pois jamais o usarei ou usarei algo parecido.

A tentação do desenvolvedor ambicioso

Acabei de lhe falar sobre as características maliciosas conhecidas nos mais largamente usados pacotes de software privativo. Ser a vítima de características maliciosas não é um perigo raro para usuários de software privativo — esse é o caso usual. E claramente nós podemos ver o porquê: o desenvolvedor de um programa privativo tem poder sobre os usuários — e esse poder é uma tentação. Quando o desenvolvedor é uma corporação ambiciosa, ela professa a filosofia de que o maior de todos os propósitos é conseguir tanto dinheiro quanto for capaz. O que ela irá fazer com esse poder? Obviamente, irá usá-lo para conseguir mais dinheiro. Por que ela iria se segurar para não colocar uma característica maliciosa adicional no programa para conseguir mais dinheiro?

Uma defesa contra as características maliciosas

Com o software livre os usuários tem o controle e os usuários não querem tais características; com o software livre os usuários geralmente conseguem o que querem, pois ninguém mais tem poder para forçá-los a nada. Se houvesse alguma característica maliciosa num programa livre, estudando o código fonte os usuários teriam a chance de reconhecê-la; não teriam que esperar pra observar. E se eles encontrassem tal característica maliciosa, eles poderiam removê-la. Portanto, os usuários têm uma defesa, e também a ciência do desenvolvedor de que ele não tem poder sobre o usuário, significa que ele não encara a mesma tentação de tentar maltratá-los. Ele sabe que não irá muito longe com isso e nem passa por sua cabeça:

– O que eu posso fazer para trapacear os usuários do meu programa da próxima vez?

Eu já lhe contei vários exemplos de características maliciosas, mas existem inúmeros programas privativos que não gozam da liberdade número um e na maioria dos casos nós não sabemos se eles têm alguma característica maliciosa. Mas, dado que aquele que poderia tê-la colocado é o mesmo que está impedindo os usuário de checar o código fonte, nós temos que suspeitá-los, nós temos que tratá-los como Malware potenciais; cada um dos quais pode ou não, ser, de fato, um Malware; mas dado que os usuários não podem verificar por si mesmos, todos são Malware potenciais.

Os bugs

No entanto, existe algo que nós sabemos sobre esses programas: seus desenvolvedores são humanos, eles cometem erros. O código desses programas contém bugs; e os usuários dum programa sem a liberdade número um é tão impotente contra um erro acidental quanto a uma característica maliciosa intencional. Se você usa um programa sem a liberdade número um você é um prisioneiro dele. Nós desenvolvedores de software livre somos humanos também — nós também cometemos erros; o código de nossos programas também tem bugs, pois qualquer programa não trivial tem bugs — você simplesmente não pode evitá-los. No entanto, se você encontrar um bug no nosso código livre, ou qualquer coisa no código que você não goste, você é livre para mudá-lo, por que nós não o fazemos nosso prisioneiro. Nós não podemos ser perfeitos, mas nós podemos respeitar a sua liberdade.

A liberdade três e o controle comunitário

Portanto, a liberdade número um é essencial, mas não é o suficiente, por que ela é a liberdade de estudar e mudar pessoalmente o código fonte, ou fazê-lo dentro duma organização, mas isso não é o bastante porque existem milhões de usuários que não sabem como programar; eles não são capazes de exercer essa liberdade diretamente. Mas, mesmo para programadores como eu, a liberdade número um não é o bastante, pois nós, programadores, estamos muito ocupados fazendo várias coisas, e além disso, existe tanto software livre hoje em dia que nenhum usuário é capaz de estudar todo o código fonte de todos os programas que ele usa, nem de escrever todas as mudanças que ele poderia querer, porque isso é mais trabalho que um ser humano pode fazer. Portanto, a única maneira de controlarmos completamente a nossa informática é trabalhando juntos, colaborando, e pra isso nós precisamos da liberdade número três;

A liberdade número 3 — a liberdade de contribuir para a sua comunidade; a liberdade de fazer e distribuir cópias de suas versões modificadas quando desejar. Com essa liberdade, se alguns usuários fizerem uma versão melhorada dum programa livre, eles podem oferecer-lhe uma cópia; eles podem oferecer a todos uma cópia, se eles quiserem. E logo, todo mundo poderá ter os benefícios dessas melhorias sem ter de escrevê-las por si mesmos; e em particular aqueles milhões de usuários que não sabem como programar podem ter essas melhorias também. Sem a liberdade número três, cada um de nós seria livre para escrever essa melhoria, mas que desperdício seria ter de escrevê-la milhões de vezes; e as pessoas que não sabem programar, seriam excluídas. Portanto, a liberdade número três é essencial, e todos os usuários se beneficiam com as quatro liberdades.

Qualquer usuário pode exercer a liberdade zero e dois: executar o programa como bem entender e redistribuir cópias exatas do programa assim que desejar — pois essas liberdades não requerem programação. As liberdades um e três requerem programação, a liberdade de estudar e mudar o código fonte do programa e então, opcionalmente, distribuir cópias da sua versão modificada do programa — essas liberdades requerem programação, logo um dado usuário está mais ou menos apto a exercer essas liberdades baseado em quanto sabe programar; e claro, muitas pessoas não sabem como programar e não podem exercer essas liberdades diretamente, mas quando outros, que são programadores, exercem tais liberdades e publicam suas versões modificadas, então cada usuário pode usá-las ou não, como desejar. Portanto, todos os usuários se beneficiam de viver numa sociedade onde as pessoas tem essas liberdades; mesmo sem exercê-las diretamente, eles se beneficiam pelo fato de que elas existem.

Um mercado livre

E um usuário que não sabe como programar mas realmente deseja mudar um programa, pode indiretamente se aproveitar das liberdades número um e três: tal usuário não sabe como programar, mas pode pagar outra pessoa para programar para ele; de fato, ele pode pagar quem ele escolher, desejando realizar o trabalho, pois esse é um mercado livre: se você sabe como programar, não há nada que lhe impeça de entrar nesse mercado. Então, vamos supor que nosso usuário tem algum dinheiro para investir e realmente quer que alguma mudança seja feita no código do programa, e ele encontra um programador que já trabalhou com esse programa e deseja fazer tal mudança por um dado preço que o usuário aceita. Em conseguinte eles assinam um contrato, e o usuário dá ao programador a versão do programa que ele está usando, que é o exercício da liberdade número dois de redistribuir cópias exatas. Então o programador estuda o código fonte e escreve as mudanças desejadas, exercendo assim sua liberdade número um em favor do usuário, logo, quando o programa está funcionando como requerido, o programador dá ao usuário uma cópia, exercendo a sua liberdade número três em favor do usuário; e então, o usuário verifica o programa e supondo que ele realmente funciona como esperado, o usuário paga o programador como combinado. Uma parte considerável do negócio de software livre funciona assim.

Uma escolha: democracia ou ditadura

As quatro liberdades juntas nos dão a democracia; um programa livre se desenvolve democraticamente sob o controle de seus usuários. Todo usuário é livre para participar tanto quanto queira nas decisões da sociedade sobre o futuro do programa — que é simplesmente o total das decisões de cada um dos usuários. Em contrapartida, um programa privativo se desenvolve sob o controle ditatorial de seu dono; o dono tem controle total e exclusivo do que o programa faz. Logo, em termos sociais, tal programa dá poder ao dono sobre os usuários, pois com software só existem duas possibilidades: ou os usuários controlam o programa, ou o programa controla os usuários. Se os usuários têm liberdade suficiente então eles controlam o programa; e as liberdades que precisam são aquelas quatro que definem software livre; aquelas são a liberdade que os usuários precisam para efetivamente controlar a informática que realizam com tal programa. Mas se os falta alguma daquelas liberdades, o programa os controla; e o dono controla o programa e através dele controla os usuários. Por isso, software não-livre configura um sistema de poder injusto.

Portanto, a sociedade tem uma decisão a fazer: de um lado temos a liberdade individual, solidariedade social e democracia; do outro lado, a ditadura do dono do programa. A sociedade precisa rejeitar o software privativo e escolher o software livre. O objetivo primário e definitivo do movimento de software livre é, pois, a liberação do ciberespaço; incluindo todos os seus habitantes. Nós convidamos e incitamos-lhe a libertar-se, a escapar, do software privativo, e vir viver conosco no mundo livre que nós construímos.

O movimento de software livre

Eu iniciei o movimento de software livre em 1983. Eu queria que fosse possível usar um computador e ter liberdade. Isso era impossível naquela época, porque um computador não faria nada sem um sistema operacional. Um sistema operacional é uma coleção de muitos programas que juntos realizam os trabalhos comuns e proveem uma base para implementar qualquer outra coisa que você queira. Todos os sistemas operacionais para computadores modernos, em 1983, eram privativos. Logo, se você houvesse comprado um computador novo, para torná-lo útil você precisaria ter um sistema operacional nele, que era não-livre, e, portanto, lá se vai sua liberdade! Mas como eu poderia mudar isso?

Eu era um homem sem fama, fora do campo dos usuários do editor Emacs, e sem muito dinheiro, além disso, poucas pessoas concordavam comigo. Portanto, eu não acreditava que um movimento político ordinário, como protestar nas ruas e mandar cartas para os políticos, pudesse conquistar muito. Além disso, eu não tinha nenhuma experiência fazendo tais coisas, eu não era um ativista político, mas sim um desenvolvedor de sistemas operacionais. Mas, sendo um desenvolvedor de sistemas operacionais, existia uma outra maneira pela qual eu poderia alcançar o mesmo objetivo: tudo o que eu tinha que fazer era escrever um sistema operacional e então, como o autor, eu poderia legalmente fazê-lo software livre e então todos seriam capazes de usar seus computadores em liberdade usando o meu sistema. Em outras palavras, eu poderia começar a eliminar as injustiças do software privativo com trabalho técnico na minha própria área de atuação. Eu estava ciente dessa injustiça que muitas pessoas não reconheciam como uma injustiça. Eu tinha as habilidades necessárias para começar a eliminar tal injustiça, e parecia que ninguém iria tentar fazê-lo, senão eu. Isso significava que eu havia sido eleito pelas circunstâncias para fazer esse trabalho — era meu dever.

Se você vê alguém se afogando, e você sabe nadar, e não tem ninguém por perto, e a pessoa que se afoga não é o Bush, então você tem o dever moral de salvar essa pessoa. Bem, talvez o que eu acabei de dizer seja muito forte; podem existir outras pessoas, que nós podemos identificar, para com as quais nós não podemos afirmar dever moral de salvá-las, pessoas como Rumsfeld e Obama, e todos aqueles que corroboram com a tortura e não respeitam os direitos humanos. Mas, felizmente eu não preciso resolver todas essas questões, pois eu não sei nadar.

No entanto, no caso real da minha vida o trabalho que necessitava ser feito não era nadar, mas sim escrever muito código — e isso eu sabia fazer. Então eu decidi desenvolver um sistema operacional livre, ou morrer tentando (de velhice, presumivelmente). Porque naquela época o movimento de software livre não tinha inimigos ativos. Pelo menos metade das pessoas com quem eu falei sobre isso discordavam de mim, mas eles sequer se preocuparam em se opor ao movimento de software livre, pois estavam certos de que desenvolver um sistema operacional era uma tarefa tão grandiosa que, de qualquer forma, não terminaríamos. Eu também sabia que era um grande trabalho; eu pensei que poderia fazê-lo, mas obviamente não podia ter certeza. Mas então eu percebi que falha não era uma opção, pois sem um sistema operacional livre, nenhum usuário de computador jamais teria liberdade.

Um sistema operacional livre

Então eu decidi desenvolver um sistema operacional que fosse completamente software livre e decidi recrutar outras pessoas para ajudar a escrevê-lo para que ficasse pronto logo. Eu decidi seguir o desenho básico do Unix. O Unix era um sistema operacional privativo popular com algumas vantagens técnicas. Por exemplo, ele era portável; ele poderia ser adaptado para novos modelos de computador que eram diferentes dos antigos. Eu também queria construir um sistema portável, portanto decidi seguir o desenho básico do Unix. E eu também decidi fazê-lo compatível com o Unix — o que significa ter os mesmo comandos — para que as pessoas já familiarizadas com o Unix pudessem migrar ao meu sistema muito facilmente, pois as coisas que eles já sabiam fazer seriam feitas da mesma forma no meu sistema — eles não teriam que aprender nada mais para poderem utilizá-lo.

O nome “GNU”

Então, eu dei ao meu sistema um nome que é uma brincadeira, pois esse é o espírito hacker: não importa quão sério alguma coisa seja, ainda existe espaço para uma brincadeira, pois ser um hacker é apreciar brincadeiras inteligentes; e isso pode ser tomado em qualquer área da vida, não apenas com computadores. Mas, em particular, quando você está realizando um trabalho que é sério, você ainda pode procurar por maneiras de colocar uma pitada de humor. Portanto, o nome desse sistema é “GNU”: gê, ene e u; e é uma brincadeira porque é um acrônimo recursivo: GNU significa “GNU Não é Unix” — e o gê significa “GNU”! Programadores adoram brincadeiras baseada em recursão.

Mas por que “GNU”, em vez de “FNU”, “SNU” ou “UNU”? Porque estas não palavras, mas GNU é; para ser uma brincadeira é necessário haver outro significado — e GNU tem um outro significado: é o nome de um animal que vive na África. Mas é muito melhor que isso; veja bem, a palavra “GNU” é palavra mais humorosamente carregada da língua inglesa, usada em incontáveis jogos de palavras, pois de acordo com o dicionário o gê é silencioso e é pronunciado “nu”. Então sempre que quiser escrever a palavra inglesa “new”, você pode escrevê-la “gnu” e está feita a brincadeira… talvez não uma das melhores, mas existem muitas delas. Então, quando as pessoas veem essa palavra elas já estão prontas para dar gargalhadas. Dada a razão específica e significativa de usar essa palavra como o nome de um projeto de programação, eu não pude resistir!

Mas quando for o nome de nosso sistema, por favor, não siga o dicionário, por favor pronuncie-o “guinú”, com um gê bem forte. Se você pronunciá-lo “nu”, como na palvra inglesa “new”, você fará com que as pessoas fiquem confusas: note que nós estamos trabalhando nele por 27 anos e usando-o por 19 anos, então ele já não é novo.

O termo “Linux”

Existe uma outra pronúncia incorreta, que é muito importante evitar, que soa como: “Linux”. É bizarro, mas é verdade que a maioria dos usuários do sistema GNU pronuncie o seu nome como “Linux”. O que dá às outras pessoas a ideia errada. O que aconteceu foi que alguém cometeu esse erro, outras pessoas começaram a repeti-lo e ele se espalhou mais rápido do que podíamos ensinar às pessoas que isso não era verdade.

Durante os anos 80, nosso trabalho para desenvolver o sistema GNU era baseado em encontrar ou desenvolver todas as centenas de componentes para um sistema operacional semelhante ao Unix completo. Portanto, cada um dos componentes nós poderíamos encontrar por aí ou escrever. Pois, o nosso objetivo não era ter um sistema operacional cuja cada uma das peças havia sido desenvolvidas por nós; o objetivo era ter um sistema operacional que fosse completamente software livre. Haviam muitos outros projetos escrevendo programas, alguns dos quais poderiam se mostrar úteis para nós, mas eles não tinham o objetivo de desenvolver um sistema operacional completo e livre, mas qualquer que seja o objetivo que tivessem, eles podiam escrever um programa que fizesse parte desse trabalho. E, com o propósito de terminar o quanto antes, é claro que usávamos todo e qualquer software livre que estivesse disponível quando encontrávamos tal software.

Por volta de 1990, nós já havíamos praticamente todo o sistema, mas um componente maior e essencial ainda estava faltando: era o núcleo (do inglês “kernel”), que é o programa que aloca os recursos do computador para os outros programas que executam. Então, em 1990 a Fundação para o Software Livre contratou um programador para escrever o núcleo. Eu escolhi um design avançado e elegante, que eu pensei que nos permitiria poupar trabalho e produzir algo que fosse um avanço comparado com o Unix. Bem, essa decisão teve o efeito de o tornar numa espécie de projeto de pesquisa, e também mostrou-se que os poderosos recursos causavam problemas que ninguém havia pensado na época, e esses problemas não são causados por erros — eles são o resultado inevitável das características poderosas do núcleo — e ninguém sabia resolvê-los. O que é um tanto triste, mas felizmente não foi um desastre, pois em 1992 o Sr. Torvalds que tinha um núcleo privativo chamado Linux decidiu fazê-lo software livre, e ele o lançou sob a Licença Pública Geral do GNU, ou GNU GPL, e portanto, o fez software livre.

As licenças de software

Mas por que um pacote de software livre tem uma licença? Acontece que, essa é a única maneira de fazê-lo software livre. Sob a atual lei de direitos do autor, que é projetada de maneira a prejudicar a sociedade, qualquer programa que é escrito é automaticamente protegido pela lei; não é necessário fazer nada para proteger o que se publica, isso acontece automaticamente. E por padrão, a lei de direitos autorais proíbe copiar, mudar, distribuir e em muitos países proíbe-se mesmo executar o programa. Então, como pode-se fazer de um programa um software livre? É necessário uma declaração formal explícita do detentor dos direitos, dando aos usuário, quaisquer que sejam, as quatro liberdades; e à tal declaração nós chamamos licença de software livre. Portanto, tal licença é o que faz o programa um software livre; sem licença, o programa não é software livre; é apenas um trabalho protegido pela lei de direitos autorais, que proíbe as pessoas de compartilhá-lo e mudá-lo. Então, software livre precisa de licenças, e qualquer declaração que adequadamente dá às pessoas as quatro liberdades, qualifica-se como uma licença de software livre.

O esquerdo autoral

Portanto, existem muitas licenças de software livre, e eu espero que você não escreva outra, mas use uma já existente. Na maioria dos casos, a melhor coisa a se fazer é utilizar a Licença Pública Geral do GNU. Existem muitas outras licenças de software livre, mas o que é especial sobre a GNU GPL, é que ela defende ativamente a liberdade para todos os usuários; isso é conhecido como o esquerdo autoral (do inglês copyleft). Dentre todas as licenças de software livre, algumas delas são de esquerdo autoral, e o resto não são; todas elas dão aos usuários as quatro liberdades, mas as licenças de esquerdo autoral vão além, defendendo tais liberdades.

Veja o que isso significa: quando eu iniciei o projeto GNU, eu já havia visto um problema onde a pessoa A lança um programa livre e a pessoa B consegue uma cópia dela, faz mudanças e então distribui uma versão modificada que é privativa. Então, os usuários que pegarem a versão da pessoa B não conseguirão liberdade, para eles o programa é software privativo. Mesmo o código da pessoa A é privativo para eles, pois a pessoa B privou-os de suas liberdades. Bem, eu já havia visto isso acontecer, e pensei que poderia acontecer com o GNU; o GNU falharia em alcançar seu propósito de dar liberdade a todos os usuários. Então eu precisava encontrar uma maneira de impedir que isso acontecesse, e o esquerdo autoral é o método que concebi.

É assim que funciona: o esquerdo autoral diz que quando você redistribuir esse programa com ou sem mudanças, você precisa fazer isso sob a mesma licença, e precisa fazer o código fonte disponível. E então, há outras coisas que, em efeito, exigem que você respeite a liberdade da próxima pessoa, assim como nós respeitamos a sua liberdade; assim que você passar o código fonte adiante, você precisa também passar a liberdade, e mudá-lo não é uma desculpa para retirar a liberdade. Portanto, considere meu código, ao qual você adicionou uma parte, só existem duas possibilidades: ou o todo é livre, ou não é; por conseguinte o esquerdo autoral diz que o todo deve ser livre, pois não há desculpas para fazer com que o nosso código falhe em ser livre; todo usuário deve receber a liberdade.

Portanto o esquerdo autoral, em efeito, faz com que as quatro liberdades sejam direitos inalienáveis; de todos os usuários. Uma outra maneira de dizê-lo é: é proibido proibir! Logo, existem licenças com o esquerdo autoral e aquelas licenças sem ele. Todas elas são uma maneira de lançar programas em que, os usuários que receberem o programa de você, terão liberdade. O esquerdo autoral faz tudo o que é possível para garantir que todos os usuários que receberem o código do programa tenham liberdade.

O crédito indevido às ideias amorais de Torvalds

Quando Torvalds relançou o Linux sob a GNU GPL, ele se tornou software livre. E, a combinação entre o GNU que já estava quase completo mais Linux, o núcleo, era um sistema operacional livre completo; inteiramente software livre. Pela primeira vez era possível comprar um PC e usá-lo em liberdade. Portanto, a liberação do Linux foi uma grande contribuição para a comunidade de software livre.

Mas, as pessoas que combinaram o Linux com as várias peças do sistema GNU, estavam focando tanto nessa única peça chamada “Linux” que eles enxergavam o resto do sistema como um pequeno adicional para o Linux. Então eles começaram a chamar a combinação, que era basicamente GNU, de “o sistema Linux”. E, as pessoas que usavam essa combinação, em sua maioria, também os imitavam, e quando eu percebi o que havia acontecido, essas pessoas estavam trabalhando, desenvolvendo e usando um sistema que era basicamente um variante do GNU, e não nos dando nenhum crédito — o que não é nada bonito.

Então, por favor nos dê menção igual; por favor, chame o sistema de “GNU/Linux” ou “GNU+Linux”. Só leva um segundo pra falar “GNU+” e é realmente importante pra gente. E não apenas por que gostaríamos de ter crédito pelo nosso trabalho, pois crédito não é a questão ética mais importante na vida, e se fosse só por isso não seria tão importante. Mas existe algo muito mais importante em jogo aqui. Veja bem, quando as pessoas pensam que o sistema é “Linux”, eles acreditam erroneamente que o sistema começou pelo Sr. Torvalds e que ele fez o trabalho principal, e que o sistema deriva da sua visão de vida. E qual é a visão de vida dele?

Torvalds nunca concordou com nossa filosofia de liberdade e solidariedade social, ele a rejeita, como ele mesmo disse. Ele não acredita que você como usuário de um programa de computador merece liberdade; ele rejeita isso. Ele nem mesmo acredita que ele mereça liberdade como um usuário dum programa de computador. Ele já disse que deseja programas poderosos, confiáveis e convenientes — e isso é tudo. Ele está preparado para usar software privativo se ele for conveniente; ele está mesmo preparado para escrever software privativo. Ele se recusa a tratar disso como uma questão de princípios.

Bem, ele tem direito de ter suas opiniões, mas ele não tem o direito de citar o tremendo trabalho que nós realizamos pelo bem da liberdade, como se fosse trabalho dele, e usar isso como uma plataforma para se opor às ideias de liberdade, que é a razão pela qual nós realizamos esse trabalho. O que ele diz não é verdade. E quando ele usa o crédito que é dado a ele pelo nosso trabalho, os efeitos são prejudiciais. Porque as pessoas que pensam que o sistema é “Linux”, e que o sistema veio da visão de vida dele, tendem a admirá-lo tremendamente e adotar a sua visão de vida, e tais pessoas não aprendem a valorizar a sua própria liberdade; o que é perigoso para nós tanto quanto para eles. Porque algum dia nós teremos que lutar por essa liberdade; a liberdade é frequentemente ameaçada, para mantê-la é necessário defendê-la. Para ver como isso é verdade, basta olhar para o mal que Bush causou aos direitos humanos por todo o mundo; um mal que Obama faz muito pouco para remediar e em alguns casos faz ainda pior.

O software livre como direito humano

Agora, para defender sua liberdade você precisa valorizá-la, e para valorizá-la, você precisa entender o conceito de liberdade. Em outras áreas da vida, a ideia e o debate por trás dos direitos humanos foram realizados por décadas ou séculos; isso é tempo suficiente para chegar a conclusões sobre quais direitos humanos as pessoas merecem, e para espalhá-los pelo mundo. Isso não significa que nós vamos sempre ter sucesso defendendo os direitos humanos, mas isso provê uma maneira de tentar e frequentemente ter sucesso. No entanto, a informática é uma área da vida bastante recente. Mesmo nos países mais avançados, faz menos de 20 anos que a maioria das pessoas começou a usar computadores, e em outros países faz muito menos tempo. Isso não é muito tempo para o debate de quais direitos humanos uma pessoa merece no uso dum programa — mesmo se já houvera um debate.

Mas o fato é que tal debate nunca começou, pois quase todas as pessoas que usam computadores começaram com software privativo num ambiente com outros usuário de software privativo, e não ocorreu a elas que as coisas podem ser diferentes. O que significa que elas tem por certo que programas privativos são legítimos; o que significa, em efeito, que eles permitem que o desenvolvedor de software privativo dite a resposta da questão: “quais direitos humanos eu mereço usando um programa?” E a resposta que eles ditam é: essencialmente nenhum. Eles podem impor qualquer condição que quiserem. E a maioria dos usuários aceitam isso, sem perceber que eles estariam intitulados a rejeitar tal resposta. Porque alguns de nós está tentando começar o debate; alguns de nós, no movimento de software livre, acreditamos ter identificado quatro direitos humanos que o usuário de um programa merece, e estes são as quatro liberdades que definem software livre.

A alienação da maioria dos usuários do sistema GNU+Linux

Nós tentamos levar essas ideias à atenção do público, e mesmo dentre os usuários do nosso sistema, nós encontramos obstáculos muito grandes. Primeiramente, os usuários do sistema GNU não sabem que é o sistema GNU, eles pensam que é “Linux”; e eles pensam que tudo foi iniciado pelo Sr. Torvalds, e que ele foi a inspiração para o sistema, e tudo veio da visão de vida dele. Então, quando eles veem os artigos explicando estas ideias, eles dizem para si mesmos:

— Por que eu devo ler isso? Essas são as visões desses fanáticos do GNU, e eu sou um usuário de Linux; eu sigo as ideias do Sr. Torvalds não desses radicais!

Quão irônico! Pois, quando eles dizem: “eu sou um usuário de Linux”, eles estão pensando sobre o sistema GNU, que é usado junto com o Linux, mas eles não percebem isso. Se eles soubessem disso, que o sistema deles é o GNU, talvez eles dissessem: “hum… eu sou um usuário do GNU+Linux, e aqui estão as ideias do GNU, e isso é o porquê o sistema existe — eu devo ler e pensar sobre isso.”. E então nós temos a chance de convencê-los.

O termo “código aberto”

Mas existe um outro obstáculo: hoje em dia, a maioria das pessoas que falam sobre o nosso trabalho nem mesmo usam o termo “software livre”, eles tem um outro termo que é “código aberto” (do inglês “open source”). E esse termo foi primeiramente usado em 1998 como uma maneira de forçar as pessoas a se distanciarem das ideias éticas que estou apresentando a você.

Durante a década de 90, na comunidade de software livre haviam dois campos políticos distintos: havia o campo do software livre, onde as pessoas acreditavam que o que estava em jogo era a liberdade, e que nós todos devemos exigir liberdade e trabalhar para conquistá-la. E, então, haviam outros que apreciavam o mesmo software — que usavam o sistema GNU/Linux — e alguns deles contribuíam com o desenvolvimento também, mas eles rejeitavam enxergar o problema como uma questão de liberdade — essas eram pessoas como Torvalds por exemplo — e havia um debate entre esses dois campos.

No entanto, em 1998 as pessoas do campo de Torvalds, criaram o novo termo “código aberto”, e dado que as pessoas não o haviam usado antes, eles podiam escolher quais ideias associar com ele e quais ideias deixar de fora. Eles escolheram deixar de fora toda a fundação ética do problema, e apelar apenas para valores práticos. Então eles dizem que recomendam um modelo de desenvolvimento que é apropriado para produzir código de qualidade técnica melhor. E talvez seja verdade, e se for, é um adorável bônus. Mas não é mais importante que respeitar sua liberdade, pois elas são absolutamente essenciais. Portanto, eles tratam apenas de questões secundárias.

Eles eram a maioria da comunidade em 1998, e como se não bastasse já haviam companhias que desenvolviam e distribuíam software livre, mas elas tinham produtos privativos em sua maioria, e por conseguinte não queriam ensinar os usuários a exigir liberdade, porque então eles não seriam mais clientes potenciais de produtos de software privativo. Então, tais companhias escolheram usas o termo “código aberto” e evitar levantar a questão ética. E a maioria dos políticos e jornalistas seguem o dinheiro, e portanto, seguem às companhias, e então a maioria das discussões de nosso trabalho não mencionam o software livre ou a liberdade. O que significa que eles não fazem bem algum para o movimento.

Portanto, nós temos que trabalhar duro para possibilitar às outras pessoas descobrir sobre o movimento de software livre — e aqui está o que nós pensamos — para que eles possam considerar se concordam conosco. E é por isso que estou dizendo essas coisas a você; isso é o porquê eu empenho a maior parte do meu tempo viajando e dando palestras, esse trabalho precisa ser feito! E você pode ajudar a fazê-lo; você pode aprender como dar palestras também. Eu tive de aprender, você pode aprender! Mas se você não quer contribuir com tanto do seu tempo, você pode ajudar de outras maneiras: simplesmente chamando o sistema de “GNU+Linux” e dizendo “livre” ou a tradução apropriada para seu idioma — pois é tudo sobre liberdade — e se você puder tornar a mensagem mais clara numa língua diferente do inglês, ótimo! Tire vantagem disso.

Você encontrará muitos artigos sobre software livre em que o chamam de “código aberto”; e se você responder dizendo: isso é uma questão de liberdade, e você não tratou dela. Isso é muito útil! Por exemplo, eu vejo de vez em quando, algum artigo em que me chamam de “pai do código aberto”. Eu sempre envio uma carta ao editor dizendo: “se eu sou o pai do código aberto, ele foi concebido usando inseminação artificial, usando esperma roubado e sem o meu conhecimento ou consentimento.” E então eu continuo: eu explico sobre o que o movimento de software livre sustenta, e digo que é desse que eu realmente sou o pai, e isso é o porquê eu desenvolvi o sistema GNU, e é isso que realmente está em jogo aqui. É claro que eu faço isso por que eu quero que os leitores daquele periódico vejam as ideias do software livre que não estavam no artigo original; e eu começo com a brincadeira, na esperança de que assim a carta seja publicada. Isso constantemente funciona!

A inclusão de software privativo em distribuições primariamente livres

E nós precisamos de sua ajuda fazendo o mesmo. Pois, é realmente fácil você perder sua liberdade, especialmente se você não a valoriza. O nosso futuro depende, sobretudo, àquilo que valorizamos. Se valorizarmos nossa liberdade, podemos trabalhar para defendê-la, e podemos ter sucesso. Mas, se nós nem pensarmos sobre a liberdade, nós podemos perdê-la sem mesmo perceber. E isso já aconteceu em nossa comunidade.

Nós não temos que olhar tão longe quanto os prejuízos que Bush causou, pra perceber que isso pode acontecer. Por exemplo, em 1992 com a liberação do Linux, nós conseguimos o sistema GNU+Linux; você podia instalá-lo num PC, e usá-lo em liberdade. Mas não era fácil — Naquela época você teria de ser um verdadeiro mago. Então as pessoas começaram a trabalhar para fazer a instalação mais fácil; eles desenvolveram distribuições do GNU+Linux projetadas para facilitar a instalação. E essas distribuições entraram em competição. Então os desenvolvedores de algumas distribuições, tiveram a ideia de que eles poderiam ganhar a competição introduzindo programas não-livres na distribuição, e apresentando-as como vantagens. E funcionou! Pois, a maioria dos usuários não valorizavam sua liberdade; eles olhavam para aqueles programas não-livres e em vez de pensarem:

— Opa, esse programa não respeita minha liberdade, não vou usá-lo, não importa quão atrativo me pareça!

Eles disseram:

— Olha… que legal! Esse programa tem esse recurso e aquele outro recurso.

Obviamente eles colocaram programas não-livres para fazer coisas específicas, para as quais nós não tínhamos software livre ainda. E então disseram:

— Nossa versão pode fazer essas coisas!

Eles não disseram:

— Nossa versão não respeita sua liberdade!

Ambas são verdadeiras, mas eles só disseram uma delas. Então eles ganharam mais sucesso. E os desenvolvedores de outra distribuição olharam pra isso e disseram:

— Opa… eles estão ganhando com esses programas não-livres. Nós precisamos colocá-los em nossa distribuição também! Assim acabaremos com a vantagem deles.

Então nos anos seguintes eles faziam isso. Dez anos atrás quando as pessoas me perguntavam:

— Onde eu posso conseguir uma cópia desse sistema?

Eu respondia:

— Sinto muito em dizer que existem dezenas de distribuições, mas nenhuma delas está livre de software privativo. Então, eu não conheço nenhum lugar que eu possa recomendar.

Em outras palavras: nós conseguimos liberdade e nós retrogredimos, porque a maioria de nós não se importava o suficiente com liberdade para se agarrar a ela. Claro que esse não era o caso para alguns de nós, mas não éramos o suficiente para liderar a comunidade rumo à liberdade.

Estou feliz em dizer que hoje em dia existem algumas distribuições GNU/Linux totalmente livres. Por exemplo, existe a Ututo; também existe a BLAG que significa Blag Linux And GNU; e existe também a gNewSense que é outra brincadeira. Veja bem, meu objetivo como o líder do projeto GNU é estabelecer a consciência GNU, ou “GNU Sense”. E existem mais algumas também, mas você pode notar que essas não são as distribuições GNU/Linux, mais bem conhecidas, que você já ouviu falar. As distribuições mais populares continuam contendo programas não-livres. Em outras palavras, nós só começamos a retomar a liberdade que nós perdemos; mas estamos apenas começando: existe um longo caminho a percorrer para voltar àquele ponto em que instalar GNU/Linux é instalar apenas software livre.

Os blobs privativos no núcleo Linux

E então nós perdemos nossa liberdade de outra maneira: hoje me dia, o código fonte do Linux, o núcleo, não é totalmente software livre — não é totalmente código fonte, pois nele existe falso código fonte: Em alguns arquivos do código fonte, você encontrará uma longa lista de números. Tal lista de números é na verdade um programa executável disfarçado de código fonte, e são grandes listas: podem conter até três centenas de milhares de números numa única lista. Esses são na verdade, programas de firmware, que apenas foram lançados em forma executável, o código fonte não está disponível. E se o código fonte não está disponível, não é software livre. Além disso, muito deles carregam licenças não-livres explícitas, fazendo-os software não-livre.

O que aconteceu? Torvalds não acredita que os usuários merecem liberdade. No entanto, por um certo período de tempo, por razões pessoais, ele decidiu manter o Linux como software livre, e então, depois disso, ainda por motivos pessoais ele decidiu colocar esses programas não-livres no Linux. Em efeito, nossa liberdade dependia de alguém que não se importava com liberdade, e isso a fez precária, então hoje em dia, nós precisamos remover todas aquelas partes não-livres do Linux, para podermos construir uma distribuição completamente livre do GNU/Linux.

Então, nós temos uma versão do Linux chamada Linux-libre, que é apenas o Linux, o núcleo, não um sistema GNU/Linux completo, mas é uma versão do Linux que não tem os blobs (grandes objetos binários), e por conseguinte é totalmente software livre. Produzi-lo é fácil: existem scripts que deletam os blobs. Logo, o resultado é algo ético que não tem software não-livre. Isso, no entanto, não nos dá substitutos livres para aqueles blobs que foram removidos. Portanto, existem alguns periféricos que não irão funcionar sem aqueles blobs, e logo não funcionarão com o Linux-libre. Mas é melhor termos um programa que é ético do que um programa que faz mais e encerra nossa liberdade. E quanto àqueles periféricos, nós simplesmente não podemos usá-los, pois é certo que se um determinado periférico não funciona sem um programa não-livre, e você deseja viver em liberdade, você não pode usar tal periférico. Ponto! Para usá-lo você teria que renunciar à sua liberdade. Agora, a longo prazo, você poderia escrever um programa livre para usar tal periférico, mas as opções imediatas são perca sua liberdade ou não use aquele periférico. Nós que realmente nos importamos com liberdade, não usamos o tal periférico — conseguimos algum outro; fazemos de alguma outra maneira: porque a liberdade vale o sacrifício.

Pessoas que dizem que gostam de liberdade, mas não podem arcar com nenhum sacrifícios por ela, obviamente não valorizam muito sua liberdade. Mas, no movimento de software livre, nós apreciamos a liberdade e regularmente fazemos tais sacrifícios. Felizmente eles são pequenos sacrifícios: uma questão de simples inconveniência, talvez obrigando a comprar um novo periférico. Isso é o porquê, se você olha em fsf.org na seção de recursos você pode encontrar listas de periféricos que funcionam com software completamente livre; e esses são os periféricos que você deve adquirir. Então isso lhe diz como você pode resolver esses problemas: escolha os dispositivos que respeitarão sua liberdade.

Eu poderia lhe dar mais exemplos de como nós perdemos nossa liberdade na comunidade de software livre, mas isso já basta. As pessoas que têm liberdade, mas não a valorizam, deixam-na escapar por entre os dedos, pois elas não sabem que precisam fechar as mãos. Então, se quisermos estabelecer uma liberdade duradoura, não é o bastante escrever software livre e dar às pessoas; nós precisamos ensinar às pessoas a valorizar a liberdade, exigi-la e defendê-la. E isso é algo em que precisamos de sua ajuda.

A armadilha do JavaScript

Agora já é possível executar um programa não-livre que você nem mesmo sabia que estava no seu computador. Muitas páginas da web contém software, tipicamente escrito em JavaScript, e se você ativa o JavaScript e visita uma dessas páginas, ele irá carregar um programa não-livre no seu computador e executar. Então, eu desligo o Javascript enquanto navego. E existem alguns sites que simplesmente não funcionam, ou alguns até funcionam, mas você tem que tentar muito até encontrar um jeito de chegar a um determinado lugar. Bem, essa é uma das coisas que eu perco pela minha liberdade. Nós precisamos nos organizar para pressionarmos esses sítios web a corrigir tais problemas.

A armadilha do software como serviço

Existe também uma maneira de perder o controle de sua informática sem mesmo rodar algum software não-livre no seu computador; e isso acontece se sua informática é realizada por programas que outra pessoa está rodando. Isso é conhecido como software como serviço. A ideia é: o usuário, em vez de realizar sua informática em seu próprio computador com seu software de escolha, que eu espero que seja software livre — assim ele pode controlar sua informática — ele envia todos os dados pertinentes para o servidor de outra pessoa e a informática dele é realizada lá, por software que ele não pode ver ou tocar, e então o servidor envia a ele o resultado, ou toma ações por ele. E, dado que as cópias dos programas que estão realizando esse trabalho pertencem a uma outra pessoa, o usuário não tem controle sobre eles.

Portanto, software como serviço é uma outra maneira de perder o controle de sua informática; você pode perdê-lo rodando software não-livre, ou entregando seus dados a programas que rodam no computador de outra pessoa. Em qualquer caso o resultado é o mesmo: alguém controla sua informática e não é você. No entanto, software como serviço é mesmo pior; eu já mencionei como alguns programas tem características de espionagem que enviam dados do uso da máquina para o servidor de alguém; eles tem pedaços específicos de código para fazer isso. Bem, mas com o software como serviço, o usuário tem que enviar todos os dados relevantes para o servidor; não há nenhum pedaço especial de código envolvido, mas o resultado é o mesmo: os dados do usuário estão num servidor, e quem sabe o que vai acontecer agora?

Mas é ainda pior. Eu já expliquei que alguns programas, como o Windows, tem portas-do-fundo, que permitem que alguém remotamente instale mudanças no programa, e isso, consequentemente, muda como a informática do usuário é realizada. Bem, com o software como serviço, o operador do servidor pode sempre instalar diferentes softwares no seu servidor, e por conseguinte, mudar como a informática do usuário é realizada. Portanto, usar software como serviço é o equivalente inerente de usar um programa não-livre com características de espionagem e portas-do-fundo do Malware universal.

Então é melhor tomar cuidado e não fazê-lo. Isso é o porque eu tenho alguns broches em que está escrito não “Don’t SaS on me!”, onde “SaS” é “software como serviço” em inglês.

Agora, felizmente software como serviço é muito inusual. Quase todos sítios web no mundo estão apenas publicando informação eles não estão fazendo sua informática, portanto eles não são software como serviço. Se nós olharmos para aqueles que fazem algum tipo de serviço não trivial, a maioria desses serviços não está fazendo sua informática, está fazendo algum tipo de comunicação, ou publicando coisas para você, ou são projetos colaborativos, mas novamente, eles não estão fazendo sua computação, e portanto não são softwares como serviço. Portanto só existe uma pequena fração que é software como serviço. Mas alguns deles são importantes, e você precisa pensar sobre a questão, portanto. Por exemplo Google Docs é software como serviço; Google Translator é software como serviço. Então esses são exemplos sobre os quais você tem que tomar cuidado.

Software livre e educação

Agora, para finalizar, eu gostaria de cobrir um tópico específico: software livre e educação. Todas as escolas ou atividades educativas tem a obrigação ética de ensinar exclusivamente software livre; isso inclui todas as escolas, de todos os níveis, mesmo as universidades. Existem quatro razões para isso.

A razão mais superficial: para poupar dinheiro

A mais superficial é que software livre provê a oportunidade de poupar dinheiro. Software livre não significa que é gratuito: a questão é sobre liberdade, não preço. Mas se o sistema de escolas de uma cidade, por exemplo, recebe uma cópia de um programa livre, ela é livre para fazer cópias e redistribuir tais cópias para cada uma das outras escolas, e então a escola também é livre para instalar o programa em qualquer computador. E ela não precisa pedir permissão em nenhum desses casos para fazer tais coisas, pois ela é livre para fazê-lo. Portanto existe a real oportunidade de poupar dinheiro — e as escolas não tem muito dinheiro. Então, elas não devem gastar o seu escarço dinheiro pagando por permissão para rodar um programa privativo.

Mas, porque esse motivo é superficial, nós temos de nos certificar de que nunca pareça a razão principal. Nós não devemos usar isso como o argumento que irá convencer as pessoas se elas não se importam com a liberdade; nós podemos citá-lo, mas devemos enfatizar que é um motivo secundário. Além disso, alguns desenvolvedores de software privativo eliminam esta razão, doando cópias gratuitas de seu software não-livre para as escolas; e a razão pela qual fazem isso, não é solidária: eles esperam usar as escolas como instrumentos para impor uma dependência sobre seus produtos, em toda a sociedade. É assim que o plano deles funciona: eles entregam essas versões gratuitas de seus programas não-livres para a escola para que ela ensine aos alunos a usá-los e os alunos desenvolvam uma dependência sobre o produto, e então os alunos graduam; e depois que os alunos graduam o desenvolvedor não oferece mais aos ex-alunos cópias gratuitas; e então os ex-alunos vão trabalhar para companhias e o desenvolvedor não oferece a essas companhias cópias gratuitas do programa. Então, em efeito, eles estão pedindo à escola, para direcionar os alunos ao caminho da dependência permanente, para que assim os alunos possam levar todo o resto da sociedade com eles. Isso é como dar à escola amostras gratuitas de drogas que viciam, dizendo:

— Injete isso nos seus estudantes para fazê-los dependentes; a primeira dose é gratuita! Uma vez que eles forem dependentes, daí terão que pagar.

A escola rejeitaria tais drogas, e também deveria rejeitar o software privativo, pois a escola tem uma missão social, e ela é: educar bons cidadãos de uma sociedade forte, capaz, independente, cooperativa e livre. Na informática, isso significa ensinar aos alunos a serem usuários de software livre.

Uma razão mais profunda: pela educação de bons programadores

Mas, existe uma razão mais profunda: pela educação de bons programadores. Algumas pessoas são programadores natos e dos dez aos treze anos de idade eles se tornam fascinados por computadores e eles querem saber como tudo funciona. Mas quando esses programadores natos perguntam ao professor:

— Como esse programa faz isso?

Se o programa é privativo, o professor pode responder apenas:

– Me desculpe, é um segredo e nós não podemos descobrir.

E então a educação não pode sequer começar. Software privativo é o inimigo do espírito da educação, é conhecimento tomado e não deve ser tolerado numa escola. Mas, se o programa é livre o professor pode explicar o que sabe e dar a todos cópias do código fonte do programa dizendo:

— Leia isso e você entenderá tudo!

E eles irão ler porque eles estão fascinados e querem entender o programa completamente. E o professor pode dizer:

— Se você passar por alguma parte do código que você não consegue entender, mostre a mim e nós iremos decifrá-lo juntos.

Isso dá a um programador nato a oportunidade de aprender uma lição muito importante: aquele código não é claro — você não deve escrevê-lo daquela forma.

Veja, programadores natos são muito espertos e eles podem enxergar inúmeras maneiras de escrever código que irá realizar o trabalho pretendido, mas será difícil para outras pessoas entenderem como. Esse não é bom código. Mas para que possam escrever bom código eles tem que aprender a não escrever dessa maneira, eles precisam aprender a reconhecer o que as outras pessoas não serão capazes de entender, e o jeito que se aprende isso é vendo todas as coisas que as outras pessoas escreveram e eles não conseguiram entender. Como você aprende a escrever código bom e claro?

Você aprende lendo muito código e escrevendo muito código. Apenas o software livre oferece a oportunidade de ler código de programas extensos que nós realmente usamos. E então você tem que escrever muito código; tipicamente isso significa escrever código em grandes programas, mas para entender como lidar com os desafios que eles oferecem, é necessário começar pelo pequeno. Mas isso não significa escrever programas pequenos. Os desafios de grandes programas nem mesmo aparecem nos pequenos. Começar pelo pequeno para lidar com os desafios de grandes programas, significa escrever pequenas mudanças para programas grandes existentes; apenas o software livre te dá a chance de fazê-lo. Toda escola pode oferecer aos alunos a oportunidade de aprender a ser um bom programador, mas apenas se é uma escola de software livre.

Uma razão ainda mais profunda: para a educação moral

Mas existe uma razão ainda mais profunda: para a educação moral; educação em cidadania; As escolas não devem ensinar apenas habilidades e fatos, mas sobretudo o espírito de boa vontade; o hábito de ajudar aos outros. Então, toda classe deve ter essa regra:

— Alunos, se vocês trouxerem programas para a classe vocês não podem mantê-los apenas pra si mesmos, vocês precisam compartilhar cópias com o resto da classe; incluindo o código fonte, no caso de alguém querer aprender, pois essa classe é lugar para compartilhar nosso conhecimento.

Para dar um bom exemplo, a escola deve seguir sua própria regra: ela deve levar apenas software livre para a classe. Toda escola deve migrar ao software livre, e se você tem ligação com a escola é seu dever induzir essa mudança. Assim que começar a fazer isso, é necessário lembrar que é uma longa jornada; não espere uma vitória rápida; é necessário ser persistente; continue procurando por mais aliados. Sempre que você encontrar mais aliados dentre os estudantes, os funcionários ou a faculdade, vocês podem trabalhar juntos em como proceder, e ter mais ideias, mais métodos possíveis de conseguir influência. Sempre trate do problema como uma questão ética. Nunca caia numa discussão puramente prática que aceita pobres valores práticos como os únicos relevantes. Isso é uma questão de como realizar uma educação ética ao invés duma prejudicial à sociedade. Sempre levante a questão de tal forma. E esteja preparado para se sacrificar. Se você vai a uma aula, no início da aula você deve perguntar:

— Professor, minha consciência não me permite usar software não-livre. Posso fazer o trabalho dessa aula unicamente com software livre?

E se a resposta for “não”, diga:

— Por favor, vamos procurar por um jeito em que eu possa fazer o trabalho dessa aula usando apenas software livre. Eu não me importo se me tomar um tempo extra para fazê-lo. Eu irei fazer tal sacrifício para fazer as coisas do jeito que minha consciência aprova. Por favor, deixe-me fazê-lo!

Com a sua vontade de fazer tal sacrifício você demanda respeito moral. E algumas vezes você pode ter de dizer:

— Eu não posso assistir a essas aulas neste ano, me desculpe. Eu espero que no próximo ano eu tenha uma resposta diferente.

E então escreva para o jornal da escola. Pois, você tem que constantemente olhar por maneiras de trazer o problema para a atenção de outras pessoas que não estão pensando sobre isso. Esse é o jeito de encontrar mais aliados.

Por onde seguir a partir daqui

Então, para mais informações dê uma olhada em gnu.org e fsf.org, o sítio web da Fundação para o Software Livre. Em fsf.org você pode se tornar um membro da Fundação para o Software Livre — que é uma maneira de dar apoio ao nosso trabalho, nós precisamos do seu apoio. E existe também defectivebydesign.org, que é nossa campanha de protesto contra algemas digitais, a maioria desses protestos é feito virtualmente, então por favor, assine e participe em nossos protestos.